Testosterona no homem e na mulher: problemas da reposição
Testosterona na suplementação e suas contradições: quanto mais melhorɁ
[Imagem: grindin.ru]
[Este artigo já foi publicado no nosso antigo blog do substack ao qual, recentemente, me foi vetado o acesso para postar novas publicações. Dessa forma e para que possa ser conhecido pelos leitores deste novo blog - intitulado outramedicina2024.substack.com - , faço aqui a republicação do artigo]
A reposição do hormônio tireoidiano quando a pessoa padece de hipotireoidismo é parte de uma estratégia necessária para corrigir a doença.
Também a progesterona na menopausa, no câncer de próstata [em oposição à dominância estrogênica], em enfermidades crônico-degenerativas de vários tipos, de vários sistemas. Ou a pregnelolona em determinados problemas. Sempre com a logística de mudar, ao mesmo tempo, estilo de vida, de nutrir adequadamente o paciente.
No entanto, “reposição hormonal” – a exemplo da testosterona – passou a ser um recurso terapêutico generalizado, mas muitas vezes de forma indevida e frequentemente sem considerar que “se o hormônio está baixo é preciso repor” não é o melhor critério e, pior, muitas vezes a medicina se ocupa de “repor” o hormônio errado, patogênico [estrogênio, cortisol, serotonina].
O caso da testosterona tem suas particularidades.
O objetivo desta nota é examinar algumas delas.
É um hormônio protetor, sim, como também o DHEA, a progesterona, para homens e mulheres.
No entanto, tanto no homem como na mulher, testosterona é um caso singular. Já que simplesmente “repor” a testosterona “baixa” pode se revelar um mau critério. E, pior, estará deixando de considerar fatores que são muitíssimo mais importantes do que simplesmente pensar em suplementar testosterona [afora que no mercado existe uma tendência a empurrar a testosterona tóxica].
Sem pretender esgotar o tema, vejamos algumas ideias. E, neste caso, sem a intenção de debater o tema da “terapia de reposição hormonal”[alvo de nota futura].
Outro dia, circulou entre amigos, uma prescrição médica de testosterona para uma paciente do sexo feminino - em nome da chamada “terapia de reposição hormonal” – com dose bem alta, em torno de 5 a 10 mg. Também foi vista outra prescrição de testosterona, para um homem de meia idade, que chegava a uma dose de mais de 20 mg da mesma testosterona. Também alta.
Mas ali havia um problema [além do risco, sempre é importante lembrar, da farmácia vender um éster tóxico da testosterona, sempre com o rótulo “testosterona”].
Em sua juventude, o homem produz, diariamente alguma coisa em torno de 4 a 5 mg de testosterona por dia e com níveis sanguíneos em torno de, por exemplo, apenas para dar um número, 600 ng/dL [a variação, dentro da chamada faixa de normalidade é ampla, dependendo da idade].
Mas depois de alcançados os 30 anos, a síntese de testosterona e também de outro andrógeno estratégico, o DHEA, tendem a declinar, em ambos os sexos. Os valores plasmáticos dos dois hormônios caem profundamente e sustentadamente.
Trata-se de uma tendência garantida pelo mau envelhecimento, no marco do estresse cumulativo, que leva à queda sustentada da testosterona e a elevação igualmente em escalada, do estrogênio, do cortisol [sobretudo nos tecidos].
Imaginemos o caso de um homem de meia idade, com níveis baixos de testosterona, por exemplo, 300 ng/dL [a faixa laboratorial eventualmente fica entre 150 e 850 ng/dL].
A primeira tentação do doutor da área pode ser a de suplementar testosterona e em dose robusta. Tenderá a prescrever testosterona transdérmica ou injetável, em quantidades altas, e, segundo o seu raciocínio, é preciso compensar a queda de testosterona da idade e também oferecer mais para compensar os níveis altos de estrogênio, que se tornam maiores com o passar dos anos. Isso, no caso de o profissional já estar informado do papel do estrogênio alto na gênese do câncer de próstata e na derrubada da libido.
De toda forma, bem informado disso ou não, ele vai querer repor testosterona de tal forma que quanto mais altos melhor, inclusive para alcançar o quartil superior da faixa de referência.
Temos uma contradição.
A testosterona é um hormônio protetor, e sua queda a cada década – no homem como na mulher, em níveis diferentes, claro, já que a mulher produz, normalmente, dez a vinte vezes menos testosterona que o homem – tem a ver com a presença constante ou crescente de hormônios do estresse no corpo. Adrenalina, cortisol, estrogênio, prolactina, serotonina e outros sobem no corpo ao longo do tempo e é esse processo – mesmo que inclusive a testosterona esteja em níveis aceitáveis – que vai convertendo a testosterona que é produzida em estrogênio. A protetora testosterona vai sendo convertida no agressor estrogênio.
Sim, é uma reação esperada: se os hormônios do estresse estão altos, se há hipotireoidismo, ganha presença uma enzima que converte testosterona em estrogênio. Que aromatiza a testosterona.
E eis aqui porque oferecer mais testosterona, uma grande dose de testosterona, não resolve a questão de fundo, de um forte regime de hormônios do estresse e, ao mesmo tempo, da falta do maior de todos os hormônios anabólicos, o T3.
Corrigir os valores numéricos da testosterona plasmática não tem o poder de corrigir essa raiz do problema.
O contrário é verdade: corrigir o hipotireoidismo, reduzir os hormônios do estresse, constitui a abordagem estratégica para poder diminuir a presença do estrogênio e fazer subir não só a presença da testosterona [relativamente mais potente na ausência do estrogênio em excesso],mas também elevar sua síntese.
Como argumentou R. Peat em certa entrevista, “por várias razões, o hormônio tireoidiano é o nosso hormônio anabólico básico e ativa diretamente a síntese de proteína, baixa o cortisol, limita a destruição de proteínas e inibe a aromatase; é portanto, um antagonista da aromatase e do cortisol”[B].
Ele continua: “se não há suficiente hormônio tireoidiano, a tendência da testosterona é a de ser convertida em estrogênio. Estrogênio bloqueia a secreção do hormônio tireoidiano na glândula; já testosterona tem ação sinérgica [sobreposta] à da progesterona”.
Esse processo não pode ocorrer com o hormônio T3, jamais se converterá em estrogênio. Com a testosterona, sim. Por isso uma testosterona de mais de 1000 ng/dL não significa mais saúde [traz o potencial de gerar estrogênio].
Também segundo R. Peat, “deficiência de testosterona usualmente é resultado de hipotireoidismo levando à conversão de testosterona em estrogênio e este promove crescimento da próstata e inflamação”.
Por tudo isso, suplementar a testosterona pode ajudar, mas ao mesmo tempo pode ter efeito inverso, já que testosterona não tem o poder de corrigir aquele problema tireoidiano pela raiz.
E na verdade pode haver testosterona suficiente nos sistemas, mas com o risco de estar bloqueada pelo estresse, pelo estrogênio.
E por isso, “simplesmente reduzir a produção de estrogênio em um homem pode tornar o efeito da testosterona muito mais potente. Ambos, testosterona e progesterona são capazes de reduzir a síntese de estrogênio, mas testosterona pode ser convertida em estrogênio. Se a pessoa não dispõe de progesterona e hormônio tireoidiano, então tende a converter sua testosterona em estrogênio e perder o efeito masculinizante da testosterona”[R. Peat].
E temos o problema do exercício. A pessoa pode estar praticando uma rotina de exercícios cujo efeito a médio prazo vem a ser a indesejável diminuição da testosterona. Um aparente paradoxo para quem apenas enxerga os exercícios unidimensionalmente.
Como muitas vezes já explicou R. Peat, os próprios músculos, os quais, se contarem com o exercício adequado naturalmente produzem testosterona, ao contrário, caso estejam submetidos ao estresse de exercícios inadequados, estressantes, tendem a produzir secreção de cortisol e estrogênio.
Os mesmos músculos que se ativados pela tireoide e a adequada atividade muscular, serão fonte de testosterona e liquidarão o cortisol.
Do ponto de vista endócrino, da produção de testosterona, o exercício extenuante é inadequado. Para R. Peat, “é necessária uma muito moderada quantidade de exercício – daquele tipo que constrói músculos - para aumentar a testosterona e baixar o cortisol.
Nesse caso, o músculo em si se torna um órgão endócrino no sentido construtivo, de gerar hormônios protetores.
Mas se a pessoa está sob estresse, na realidade seu músculo produzirá cortisol e não testosterona. Se adequadamente estimulado, o músculo se torna um órgão de produção de testosterona. Não são apenas as gônadas que produzem testosterona, também os músculos caso a pessoa faça o exercício conveniente”.
Muito mais elementos do nosso ambiente podem baixar a testosterona.
Exposição a óleos insaturados e também à ação da serotonina, ambos, possuem tal efeito. Radiações ionizantes, concussão cerebral, jejum, também inibem síntese de testosterona, além já citado do exercício estressante, inadequado.
Dessa forma, muito mais lógico do que simplesmente aumentar a testosterona suplementando o mais que se possa, se trata, em primeiríssimo lugar, de checar e ajustar a e função tireoidiana.
O hormônio tireoidiano ativo, o T3, é o que ampara todos os sistemas corporais e, inclusive ele, lado a lado com a vitamina A e o colesterol, constituem a chave mestra para a produção de esteroidais protetores, o que inclui a testosterona.
Não haverá síntese suficiente de esteroidais sem o T3, sem o colesterol e a vitamina A normais.
Certamente é importante checar os níveis de progesterona que, no homem, também na mulher, não precisam ser tão baixos como ocorre no mau envelhecimento. E a progesterona pode ser usada terapeuticamente.
A mulher, normalmente produz bem menos testosterona, como já foi mencionado, que o homem. Sendo que a testosterona é essencial para a saúde da mulher. Mas vale a mesma regra: antes de pensar na testosterona com a estratégia de escolha, ou exclusiva [na base do “quanto se mais repor, melhor”], que tal procurar ajustar o hormônio fundamental, o tireoidiano Ɂ E a progesterona.
E, junto com isso, levar adiante o exercício adequado [intenso, concêntrico e de curta duração] evitar o inadequado [o aeróbico, e alguns como ciclismo e maratona de longa distância, que, diretamente, reduzem a testosterona], ao mesmo tempo em que cuidar de garantir a vitamina A, o zinco e a vitamina D, o colesterol, os quais, quando em níveis baixos, derrubam a testosterona [também plantas como o alcaçuz [C], antiandrogênica, fazem isso].
Por fim, nunca esqueçamos que a testosterona é fabricada a partir da progesterona. E que, portanto, medir os níveis de progesterona em quaisquer dos sexos é essencial; se baixos, pode ser muito mais lógico repor progesterona bioidêntica – sem aditivos e excipientes tóxicos, sem “bases” - e na dose adequada, o que contribuirá para elevar a testosterona. No homem ou na mulher.
E, por último, reiterando e resumindo, repor testosterona mais que o necessário no homem de meia idade, no idoso, pode ter o resultado inverso: aumento da dominância estrogênica, por conta da conversão – em ambiente de estresse – de testosterona em estrogênio.
É o problema que certos doutores [ou certa comunidade fitness de malhadores de academia] podem estar criando ao pensar na testosterona descolando-a do estresse e da boa função tireoidiana. E na ilusão de que suplementar mais testosterona é melhor.
G Dantas [Publicado originalmente em São Paulo, 20-12-23]
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos. Nenhuma das notas aqui presentes, neste blog, conseguirá atingir o contexto específico do paciente singular, nem doses, modo de usar etc. Este trabalho compete ao paciente com seu médico. Isso significa que nenhuma dessas notas - necessariamente parciais - substitui essa relação.
Referencias _______________________
[A] IDE H, 2023. The impact of testosterone in men's health. Endocr J. 2023 Jul 28;70(7):655-662. doi: 10.1507/endocrj.EJ22-0604. Epub 2023 May 12. PMID: 37045775. DOI: 10.1507/endocrj.EJ22-0604 “Testosterone plays a key role in the maintenance of physical and mental functions in men. Age-related testosterone decline is closely associated with sarcopenia and muscle deterioration, while testosterone decline is linked with the etiology and prevention of diseases such as angina pectoris, arteriosclerosis, obesity, metabolic syndrome, and dementia. Late-onset hypogonadism (LOH) is defined as a disease characterized by age-related testosterone decline and associated clinical symptoms. Testosterone replacement therapy improves health-related QOL in patients with LOH”.
[B] Entrevista de R. Peat no YouTube: #61: Bodybuilding and Steroids | Progesterone for Men? – 25-6-21.
[C] ARMANINI D MATTARELLO M J, 2004. Licorice reduces serum testosterone in healthy women. Steroids. 2004 Oct-Nov;69(11-12):763-6. doi: 10.1016/j.steroids.2004.09.005. PMID: 15579328 DOI: 10.1016/j.steroids.2004.09.005 “Licorice has been considered a medicinal plant for thousands of years. The most common side effect is hypokalemic hypertension, which is secondary to a block of 11beta-hydroxysteroid dehydrogenase type 2 at the level of the kidney, leading to an enhanced mineralocorticoid effect of cortisol. We have investigated the effect of licorice on androgen metabolism in nine healthy women 22-26 years old, in the luteal phase of the cycle. They were given 3.5 g of a commercial preparation of licorice (containing 7.6% W.W. of glycyrrhizic acid) daily for two cycles. They were not on any other treatment. Plasma renin activity, serum adrenal and gonadal androgens, aldosterone, and cortisol were measured by radioimmunoassay. Total serum testosterone decreased from 27.8+/-8.2 to 19.0+/-9.4 in the first month and to 17.5+/-6.4 ng/dL in the second month of therapy (p<0.05). It returned to pre-treatment levels after discontinuation. Androstenedione, 17OH-progesterone, and LH levels did not change significantly during treatment. Plasma renin activity and aldosterone were depressed during therapy, while blood pressure and cortisol remained unchanged”.
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Que artigo! Parabéns, Dr! Até um leigo entende ! Obrigado