Progesterona, estrogênio e câncer de mama - conexões
Câncer de mama tem a ver com dominância estrogênica; o debate que precisa ser feito
[Este artigo já foi publicado no nosso antigo blog do substack ao qual, recentemente,me foi vetado o acesso para postar novas publicações. Dessa forma e para que possa ser conhecido pelos leitores deste novo blog -intitulado outramedicina2024.substack.com - , faço aqui a republicação do artigo]
Através de incontáveis estudos e reflexões, R. Peat tem chamado a atenção para o papel do estrogênio na gênese do câncer de mama e de outros do aparelho reprodutor feminino e também câncer de próstata. Além de vários outros, como o câncer de cólon [D] onde o estrogênio aparece implicado no desenvolvimento tumoral.
A endometriose, por sua vez, é outra doença cuja determinação é a dominância estrogênica [E].
Parte do mecanismo de ação do processo cancerígeno é a ativação da enzima que faz com que o estrogênio escale e fique fixado no tecido.
Sua ação cancerígena já foi comentada neste blog. Também faz parte do crescimento tumoral um berço inflamatório no tecido [C]; isto é, o desenvolvimento do câncer é indissociável da presença de inflamação [citocinas, por exemplo] e de enzimas que promovem estrogênio. Um processo inflamatório crônico aciona cronicamente aquela enzima que faz estrogênio escalar.
No caso desta nota, o objetivo é registrar – apenas de passagem - que a progesterona pode agir na direção contrária do processo de malignização.
O mecanismo: aquela enzima que ativa a ação do estrogênio nos tecidos – ação de gênese do câncer, no caso – pode ser desativada pela progesterona.
Na experiência abaixo, com células humanas de câncer de mama, a progesterona inibiu aquela enzima, a estrogênio sulfatase [B], em diferentes tipos de câncer de mama [“hormônio-dependentes” e “hormônio-independentes”, segundo a linguagem duvidosa daquele texto, como se pudesse haver um câncer de mama que nada tem a ver com hormônios...].
A progesterona fez cair significativamente a concentração da enzima que promove o câncer no tecido através do aumento da síntese de estrogênio. Inclusive consegue inibir a enzima presente no próprio tecido tumoral, cancerígeno [através de dois mecanismos].
A conclusão dos autores é que “os presentes dados não apenas contribuem para o conhecimento do mecanismo da atividade da sulfatase, mas também pode abrir novas possibilidades no tratamento do câncer de mama”.
Claro, a possibilidade do combate ao câncer pela via da progesterona.
Podemos comentar duas coisas, ao menos: pensemos juntos no fato de que a pesquisa é de quase trinta anos atrás. E, ao que se sabe, a progesterona não consta da preocupação oncológica moderna como opção de tratamento do câncer de mama.
E segundo: aqueles pesquisadores sequer utilizaram a progesterona pura [“bioidêntica”], mas mesmo usando um derivado, tipo progéstageno, tiveram resultados positivos; obviamente é possível prever que poderão alcançar resultados mais potentes caso seja utilizado o hormônio progesterona propriamente dito. E, por sua vez, os progestágenos ou progestinas são tóxicos.
A conexão estrogênio-câncer vem de longa data. Apenas por razões alheias à medicina essa relação – e as consequências terapêuticas que daí derivam - até hoje não ganhou o centro do palco do foco médico estratégico contra aquela terrível enfermidade.
Há décadas e décadas, R. Peat pauta essa questão: sem oposição da progesterona, o estrogênio atua livremente como carcinógeno e promotor de doenças como a endometriose: “Útero e mama, na ausência da progesterona começam a formar seu próprio estrogênio localmente. Na endometriose, por exemplo, o útero começa a formar estrogênio. Não depende do estrogênio ovariano.
Uma deficiência tireoidiana ou de progesterona aumentará a endometriose e eventualmente câncer por conta da produção de muito estrogênio dentro do útero.
A mesma coisa na mama. O tumor de mama começa pela produção do seu próprio estrogênio. Não necessita conseguir estrogênio do sangue, necessariamente” [R. Peat]
Na minha experiência, lembro perfeitamente que no curso de medicina ouvia dos professores que o câncer era “genético” e/decorrente de “múltiplos fatores”.
Nos dois casos, o estrogênio fica fora do necessário foco que o debate do câncer precisa levar em conta.
G Dantas [Publicado originalmente em Brasília, 19-10-23]
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos. Nenhuma das notas aqui presentes, neste blog, conseguirá atingir o contexto específico do paciente singular, nem doses, modo de usar etc. Este trabalho compete ao paciente com seu médico. Isso significa que nenhuma dessas notas - necessariamente parciais - substitui essa relação.
Referências __________________
[A] PASQUALINI, J R MALOCHE C, 1994. Effect of the progestagen Promegestone (R-5020) on mRNA of the oestrone sulphatase in the MCF-7 human mammary cancer cells. Anticancer Res. 1994 Jul-Aug;14(4A):1589-93. PMID: 7979190 “Using reverse transcriptase polymerase chain reaction amplification it was possible to detect the presence of oestrogen sulphatase mRNA in different hormone-dependent (MCF-7, T-47D) and hormone-independent (MDA-MB-231, MDA-MB-468) mammary cancer cell lines.
The expression of this mRNA is significantly higher in T-47D and MDA-MB-231 than in the other cell lines, and a correlation of this expression with the enzymatic activities was observed. The progestagen Promegestone (R-5020) can significantly decrease the mRNA of the sulphatase in MCF-7 cells. As this progestagen can also inhibit the enzyme itself in the same mammary cancer cell line, it is suggested that for the decrease in the sulphatase activity not only the effect on the enzyme, but also the effect on transcriptional factor(s) which express this enzyme are involved. The present data not only contribute to the knowledge of the mechanism of the sulphatase activity, but also can open new possibilities in breast cancer treatment”.
[B]Aromatase, estradiol-desidrogenase e estrona-sulfatase [E1-STS] são enzimas responsáveis pela produção de estrogênio no tumor de mama.
[C] REED M J PUROHIT A, 1995. The role of cytokines and sulphatase inhibitors in regulating oestrogen synthesis in breast tumours. J Steroid Biochem Mol Biol. 1995 Jun;53(1-6):413-20. doi: 10.1016/0960-0760(95)00087-g. PMID: 7626490 DOI: 10.1016/0960-0760(95)00087-g ““Synthesis of oestrogens within breast tissues makes an important contribution to the high concentrations of oestradiol which are found in breast tumours. The activities of the enzymes involved in oestrogen synthesis, i.e. the aromatase, oestradiol dehydrogenase (E2DH) and oestrone sulphatase (E1-STS), can be stimulated by several growth factors and cytokines. As it is possible that some of these factors may be derived from cells of the immune system (macrophages and lymphocytes), the effects of basic fibroblast growth factor (bFGF) and interleukin-2 (IL-2), which are produced by these cells, on E2DH activity was examined in MCF-7 cells. Treatment of these cells with bFGF resulted in a dose-dependent increase in E2DH reductive activity whereas IL-2 was inactive at the concentration tested. To obtain further evidence that factors produced by macrophages and lymphocytes can modulate the activities of enzymes involved in oestrogen synthesis, conditioned medium was collected from these cells and found to stimulate both E1-STS and E2DH activities. In addition to understanding the control of oestrogen synthesis in breast tumours an inhibitor to block the synthesis of oestrone via the oestrone sulphatase pathway was developed. Oestrone-3-O-sulphamate (EMATE) is a potent, irreversible, inhibitor of E1-STS. A single dose of EMATE (10 mg/kg) inhibited tissue E1-STS activity in rats by more than 95% for up to 7 days, indicating that this compound may have considerable therapeutic potential for the treatment of breast cancer. Evidence is also reviewed that another steroid sulphatase, dehydroepiandrosterone sulphate sulphatase, may have a crucial role in regulating cytokine production and that this may indirectly control tumour oestrogen synthesis”.
[D] FOSTER P A 2013. Oestrogen and colorectal cancer: mechanisms and controversies. Int J Colorectal Dis. 2013 Jun;28(6):737-49. doi: 10.1007/s00384-012-1628-y. Epub 2013 Jan 15. PMID: 23319136 DOI: 10.1007/s00384-012-1628-y “Aim: The role of oestrogen metabolism and action in colorectal cancer (CRC) is controversial. An extensive review of the current literature, encompassing epidemiological evidence, systemic and peripheral oestrogen concentrations, 17β-hydroxysteroid dehydrogenase (17β-HSD) and aromatase in CRC, steroid sulphatase (STS)/oestrone sulphotransferase (EST) and in vitro and in vivo genomic effects was therefore undertaken.Methods: A literature search (key words: colorectal cancer, oestrogen, oestrogen receptor, 17β-HSD, STS, organic anion transporter) was performed using Embase, Medline, and Pubmed and papers were evaluated on scientific relevance on an individual basis.Results: Epidemiological data highlights that premenopausal women, or postmenopausal women taking hormone replacement therapy, are significantly less likely than males to develop CRC. This implies that oestrogen signalling is most likely involved in CRC physiology and aetiology. Little is known about oestrogen metabolism in the colon. However, the expression of 17β-HSD, STS, and EST, enzymes involved in oestrogen metabolism, have shown prognostic significance. Evidence also suggests that protective effects are modulated through oestrogen receptor beta, although which metabolite of oestrogen, oestradiol (E2) or oestrone (E1), is more active remains undefined. To complicate matters, the changes in the peripheral ratios of these enzymes, oestrogens and receptors most likely influences CRC progression.Conclusion: Epidemiological evidence, now supported by in vitro and in vivo studies, strongly associates oestrogen action and metabolism with CRC. Initially protective against CRC, once developed, results suggests that oestrogens increase proliferation. Consequently, hormone-ablation therapy, already successful against breast and prostate cancer, may be effective against CRC”.
[E] “Adenomyotic tissue contains steroid receptors as well as aromatase and sulphatase enzymes. Together with the circulating oestrogen, locally produced oestrogens stimulate the growth of tissue mediated by the oestrogen receptors. Oestrogen metabolism, including the expression pattern of aromatase and the regulation of 17beta-hydroxysteroid dehydrogenase type 2 is altered in the eutopic endometrium of women with endometriosis, adenomyosis, and/or leiomyomas compared to that in the eutopic endometrium of women without disease”. Adenomyosis: the pathophysiology of an oestrogen-dependent disease, in https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16564227/
***