A estrada lamacenta, o envelhecimento e a questão da estratégia terapêutica
Fisiologia orientando a terapêutica [ENSAIO]
[Este artigo já foi publicado no nosso antigo blog do substack ao qual, recentemente,me foi vetado o acesso para postar novas publicações. Dessa forma e para que possa ser conhecido pelos leitores deste novo blog -intitulado outramedicina2024.substack.com - , faço aqui a republicação do artigo]
A nossa estrutura biológica é fundada na produção de energia.
O trabalho mitocondrial de produção incessante de energia, através da queima oxidativa do açúcar, é o que nos mantém de pé e funcionando.
Do ponto de vista fisiológico, opera, no plano geral, – e que é bem evidente no funcionamento de todos os órgãos e funções- , um sistema autorregulatório; na verdade somos esse sistema - sempre no plano fisiológico - , que opera, em geral, sem nossa consciência [embora não alheio às emoções, claro]. E que atua em várias camadas ou níveis de controle onde os sinais, ou sinalizadores, são hormônios, também substâncias como açúcar, sal, CO2, cálcio.
Exemplo: uma queda no sal plasmático aciona um hormônio, aldosterona, que tem como um dos seus efeitos o aumento da pressão arterial. A normalização do sal sinaliza na direção contrária, tirando tal hormônio de cena.
A presença do sal funciona claramente como um sinal. De controle adaptativo.
De conjunto, esse sistema funciona na via oposta à ideia do determinismo genético. Isto é, ele é dotado da flexibilidade epigenética de reagir a estímulos, ao estresse, modificando-se, indo além de certos limites, com a plasticidade de reagir, adaptar-se a novas situações. E reverter outras. Não se trata de uma autorregulação que obedeça a genes.
Quando fazemos uma escolha alimentar, estamos incidindo, epigeneticamente, sobre nossos sistemas regulatórios. Podemos optar por um alimento, como o café, pró-metabólico, tireoide-like, como também pelo consumo de óleo de peixe, antimetabólico. Nosso corpo irá sendo conduzido pela trilha das nossas escolhas, sejam conscientes ou não.
Também serão escolhas que moldarão o nosso envelhecimento, nossa morbidade.
O envelhecimento tem a ver, sim, com várias determinações ambientais, e entendido no plano mais epigenético e fisiológico, ele tem muito a ver com a maneira como lidamos com aqueles sistemas de sinais e hormônios.
Ou seja, em determinada via, em certo campo de escolhas alimentares – por exemplo – iremos reforçar sinais desejáveis, pró-fisiológicos e pró-metabólicos, mas em outro tipo de escolhas, serão promovidos os sinais indesejáveis.
E o sistema se move por sinais. Por exemplo, pregnelolona, progesterona, testosterona, CO2, são sinais desejáveis, pró-metabólicos. Permitem aos sistemas fluírem por estradas que impulsionarm o metabolismo.
Óleo insaturado, estrogênio, peroxidação lipídica, promoção de radicais livres, excesso de ferro, são sinais indesejáveis. Funcionam como sinais falsos [contrafisiológicos] já que empurram o organismo na direção do estresse, do acúmulo de dificuldades fisiológicas, barreiras à livre produção de energia mitocondrial.
Portanto, na direção contrária à saúde, à fisiologia.
Nas escolhas que fazemos, podemos sobrecarregar o sistema com falsos sinais como o estrogênio, os óleos insaturados. Ambos – para ficar nestes exemplos - dirigem a fisiologia para o estresse e o desgaste biológico.
“A toxicidade do estrogênio e dos óleos insaturados é conhecida ao longo da maior parte do século XX e muito já foi aprendido sobre seu papel no processo de envelhecimento. O corpo, também veio sendo entendido como uma interação dinâmica de influências tróficas sobre as células, que governam forma e função.
Meu argumento aqui é o de que alguns dos nossos processos adaptativos, protetores e regulatórios estão sobrecarregados pelo suprimento excessivo de óleos insaturados – lado a lado com um punhado de outras toxinas – na nossa alimentação, e que agem como sistema de falsa sinalização, ao passo que o colesterol, a pregnelolona, a progesterona, que são nossas defesas de mais longo alcance, são sobrepujadas pelos efeitos dos óleos insaturados; e a cascata resultante de reações ineficazes e defeituosas [incluindo vários processos estimulados pelo estrogênio] conduz e uma crescente inibição da produção de energia, comprometimento de funções e, ao final, morte.
Em certas épocas, especialmente na infância e no idoso, por exemplo, o ferro [que também cumpre importantes papéis regulatórios] se acumula ao ponto de que sua função de sinal se torna inadequada”[R. Peat].
Nosso sistema de sinais, portanto, inclui elementos – como o ferro, o cálcio – que, a certa altura e em excesso, em condições de estresse,agem na direção contrafisiológica.
Aumentam a entropia dos nossos sistemas.
Escolhas alimentares possuem esse poder, como é fácil de imaginar por essa linha de argumentação.
“Passivamente, simplesmente pegando o que chega, pela história e pela natureza, nos conduz a um processo entrópico; ao contrário, escolhendo inteligentemente a partir de possíveis dietas, selecionando planos de ação, isso permite criar padrões e reduzir a entropia”[R. Peat].
Sempre levando em conta que cada elemento ou substância deve ser levado em conta no seu contexto. Se nós temos um sinal indesejável, falso, como endotoxina, óleo insaturado, estrogênio em excesso, então, de saída estamos diante de sinais estressores. Sua presença estressa. E soma com o envelhecimento precoce.
Quando se trata de um sinal desejável, como o cálcio, é um pouco diferente: ele pode cumprir um duplo papel. A depender da boa oferta alimenta e na companhia da vitamina D, da vitamina K2MK4.
Mas o contexto é o determinante, por exemplo, quando a célula decai na sua produção de energia, por conta disso, o cálcio tende a ser retido dentro da célula e seu acúmulo é tóxico. Um sinal fisiológico, cálcio, se converteu em contrafisiológico, em indesejável.
Ureia, colesterol, endorfina, acetilcolina, substâncias como óleo de coco, ou a amantadina [por sua relação com a água corporal] e outras, também funcionam como sinais.
O que chama a atenção, tanto em substâncias circulantes no corpo quanto em determinados alimentos, é que se torna importante – pensando agora terapeuticamente – entender seu papel no metabolismo, sua função como sinal [no caso: que tipo de sinal a substância envia Ɂ].
Excesso de estrogênio, por exemplo, sinaliza à célula para acumular água, para entrar em divisão. Óleos insaturados possuem efeito estrogênio-like e especialmente em excesso, “constituem uma massiva distorção dos sistemas regulatórios” e promovem produção incontrolada de radicais livres, e mudanças, para pior, na atividade tireoidiana, na energia, no equilíbrio esteroidal, como explica R. Peat.
Ao se conceber, então, uma ação terapêutica, é imperioso entender aquela dinâmica do organismo. Ter claro que nossa estrutura – mantida pela ótima produção de energia – funciona via camadas de controle, substâncias sinalizadoras [hormônios ou não] e esses atores precisam ser entendidos dentro da lógica do organismo, da totalidade.
Que funções cumprem, se emitem sinais desejáveis metabolicamente ou não.
Agir terapeuticamente é, portanto, em certo sentido, corrigir os sistemas de sinalização. Pode ser a falta de cálcio na alimentação [menos que 1 g por dia, biodisponível] que está sinalizando para a retenção de cálcio nas células e calcificação de artérias, de mama, de próstata. Por exemplo. [E sim, é a falta de cálcio na alimentação que promove, ao final, calcificação dos tecidos moles, tema para outra nota]
Vale a mesma regra quando se pensa no envelhecimento.
Pensar no processo de envelhecimento, positivamente, na direção contrária ao mau envelhecimento, corresponde a tratar de reduzir o chamado processo de envelhecimento em seu núcleo fisiológico. Lidar adequadamente com aqueles sinais, reforçar os que são dotados de coerência pró-metabólica.
Isso significa muito mais que esperar passivamente para reparar o corpo de vez em quando. Reparar com uma bariátrica, uma histerectomia, com drogas tóxicas, exemplos da estratégia problemática.
“O corpo em envelhecimento, mais do que um carro que necessita mais e mais de reparos até que colapse pelo simples uso, se assemelha muito mais a um carro que esteja viajando por uma estrada que se torna crescentemente áspera e lamacenta, até que a estrada se torna um pântano intransponível”[R. Peat].
Dirigir o carro é fazer escolhas, de terreno, de pista, procurando se localizar a favor do seu movimento, do nosso objetivo, nas suas regras.
Sem fatalismo genético: o sistema de sinalização do nosso corpo opera no plano estritamente fisiológico. Não se prende ferreamente a limitações genéticas. Não são os genes que nos controlam, desse ponto de vista.
Nem está escrito, tampouco, que os problemas patológicos sejam irreversíveis; entender dessa forma determinista termina deixando apenas como opção muitas das técnicas invasivas vigentes.
De uma maneira geral, a abordagem terapêutica que aqui está sendo examinada, considera que problemas naqueles sistemas são “reparáveis e que nossa ênfase deveria ser na produção de energia e na luta por evitar as condições que permitem que os sinais indesejáveis se acumulem” [R. Peat].
G Dantas [Publicado originalmente em Brasília, 1-11-23]
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos. Nenhuma das notas aqui presentes, neste blog, conseguirá atingir o contexto específico do paciente singular, nem doses, modo de usar etc. Este trabalho compete ao paciente com seu médico. Isso significa que nenhuma dessas notas - necessariamente parciais - substitui essa relação.
Nota _________
[A] PEAT, Ray, s/d. The problem of Alzheimer´s disease.
***